segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Por Que Esquecer?

Um dia eu estava no meu antigo analista reclamando de mais uma desavença da vida que eu não conseguia superar na época. “Porque que tem que ser assim? Que que eu fiz? Como eu conserto?” – eu perguntava, e como tantas outras pacientes esperava que o meu analista teria (e me daria) a resposta para tudo, e que eu sairia daquele consultório preparada para consertar todos os vasos quebrados da minha vida.

Mas foi aí que ele jogou um balde de água fria na minha cabeça e me disse uma das coisas mais verdadeiras que já escutei na minha vida: “Fernanda, um relacionamento é como um livro: vc comprou, leu, adorou, chorou, mas terminou. Coloque o livro de volta na estante e lembre-se de como ele foi bom, guarde-o com vc, mas agora compre outro novo para te entreter”.




Em diversas sessões ele me falou muitas coisas, mas só essa de fato me marcou. Eu nunca tinha parado para pensar assim. Eu sempre achava que do nada a vida daria uma reviravolta, as coisas aconteceriam e conspirariam a meu favor. As pessoas que me fizeram mal me pediriam desculpas; as que me perderam voltariam atras. Até que de fato eu percebi que só conseguiria comprar outro livro se colocasse o antigo (os antigos) na estante.

Não digo que queria esquecer o livro que li. OS livros que li. Vou explicar.

Outro dia li um texto da Martha Medeiros sobre como a nossa cultura nos condiciona a esquecer tudo que nos traumatiza. Teve uma infância traumática? Há um remedinho pra isso. Jogador compulsivo? Outro remedinho para isso. Perdeu um filho? Outra formula para te fazer feliz também. Ela falava de como toda nossa cultura atualmente era tendenciosa a querer anestesiar qualquer dor que sentíamos ao viver. Numb the pain.  Viver como se nada tivesse acontecido, varrendo tudo para de baixo do tapete.

Acontece que eu não quero esquecer. Sim, não quero esquecer as coisas ruins. Porque esquecendo as ruins também temos que esquecer as boas, temos que esquecer tudo e o “mal” que nos atormenta pela raiz. Pessoalmente eu tenho que confessar que eu estou nadando contra a maré dessa “solução” do esquecimento.

Eu não quero me desligar de tudo de ruim que já aconteceu na minha vida. Tudo de ruim aconteceu para eu ser a pessoa que sou hoje, para acreditar em tudo que acredito hoje. Até para saber o que é de bom pra mim hoje. Na minha cabeça, só porque uma coisa não é mais boa para mim hoje, não da para negar e ocultar o passado de que algum dia ela foi.

Então eu acho que a solução para superar qualquer coisa não é esquecer, e sim se lembrar. É se lembrar de tudo bom e de ruim que aconteceu. A parte boa, para vc guardar para si as coisas que importam para vc na vida, e a parte ruim para vc nunca esquecer do que não quer mais.

A parte boa, guardar sempre para que não reste só brigas e amargura em relação a ninguém, e para que se lembre de como tudo que vc passou algum dia te fez bem. E a parte ruim para vc também nunca se esquecer do porque parou de lhe fazer bem e porque vc nunca mais vai “ler aquele livro de novo”.

Enfim, não tenho nada pra esquecer e nem que pretendo tentar esquecer. Prefiro sentir tudo ao invés de fingir que nunca existiu. Contra essa corrente dessa tendência ao esquecimento, prefiro acreditar que para crescer e amadurecer temos que levar essas duas cargas com a gente, para nunca nos esquecermos de quem realmente somos hoje, tão diferentes de quem éramos ontem....

10 comentários:

  1. É isso mesmo, precisamos lidar com os problemas ao invés de fingir que eles não existem. Adorei o texto.
    Bjs

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  2. Texto muito bom, muito bom mesmo.

    minha sogra, que é uma pessos extremamente religiosa costuma dizer que ..." os consultórios estão cheios, porque os confessionários estão vazios".

    Acho que tem um fundo de verdade nisso, fazer terapia virou moda, ficou in. Algumas pessoas precisam? sim, claro, mas a maioria seria "curada" apenas preenchendo o tempo vago da cabeça produzindo .
    adoro o blog!

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  3. Nunca tinha pensado na terapia dessa forma, muito verdade. Que pena que nao sou muito religiosa e preciso da minha terapia eheheheheh. Eu ate tento acreditar, acho importante ser religiosa, e tenho algumas superticoes sim, mas nao acredito mt, nao adianta....

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  4. Nanda, amo o seu blog..e esse texto está ótimo.
    Concordo com tudo que tu escreveu, acredito que esse é um grande " mal " dessa era que vivemos, tudo inventam uma desculpa, tentando tapar o sol com a peneira, mas a verdade é uma só e devemos encarar!!
    Continue sempre assim viu.. não te conheço mas admiro mt vc pelo que conheci através do blog!
    Beijos
    amanda s.

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  5. eu amooo quando vc escreve esses textos, sempre ajudam mtoo

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  6. Adorei o texto! Acho muito verdade isso de "numb the pain". Tem horas que a gente tem simplesmente que encarar, pra não se deixar afogar no problema. É só passar a entender o que te deixou/deixa daquela forma e encontrar uma solução. Mas, muitas vezes, precisamos de alguém de fora pra nos dizer algo que está na nossa cara e não enxergamos. Aprender com o erro é mil vezes mais válido do que nunca errar, não é mesmo? Beijinhos

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  7. Nanda, faço terapia há alguns anos e acho para mim fundamental... mtas pessoas hj criticam a terapia, o que nao acho legal... E nao acho tb que tudo se resolve num confessionario! Desculpem as opinioes em contrario! Adorei o texto e penso dessa forma tb.

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